Mil novecentos e setenta e três! E você com vinte e um anos de idade... A vida inteira pela frente, mas... Uma surpresa. Uma mancha branca no joelho. Uma tristeza profunda. Profunda?! Palavra que leva qualquer um a imaginar quão penetrante ela é. Escura. Carregada. Que vem do íntimo. Profunda! Então pense na adolescente que, aos vinte e um anos, se descobre portadora de uma doença mais pesada que a palavra profunda. Assustadora pelo nome folclórico que carrega: lepra! Leproso! Morfético! Lazarento! Termo proibido no Brasil há bastante tempo, mas a cultura arraigada do povo torna tudo mais profundo ainda. O nome atual é hanseníase. E tem cura. Basta que se faça, detectada a doença, o tratamento gratuito e indolor num posto de saúde pública. Pronto, o mito se desfaz.
O médico orienta. A adolescente entra em tratamento. A família sabe? Se sabe, fica calada para não complicar ainda mais a situação. Alguns olhares esquisitos a assustam. Mas uma colega, vizinha, amiga faz questão de comer no mesmo prato. No mesmo prato, literalmente!
Mostra que não teme o contágio. Não fala no assunto, porém mostra-se solidária o tempo todo.
O ano decorre... A vida segue. O namorado. Ah, o namorado é apoio total. Não se assusta. Não finge. Não é covarde. Autêntico amigo. E como um rio segue o seu fluxo... É sincero. Demonstrando apoio incondicional. Não se afasta. A vida afasta! Final de ano. Festa de formatura. Conclui o Curso Normal. É Professora. Aproveita a temporada festiva. Foge da cidade. Vai rever alguns familiares em São Paulo. Conhecer a Grande São Paulo. São Paulo da Garoa! São Paulo cinzenta! Nem tanto pela poluição das fábricas, mas pela cor cinzenta penetrante na mente de quem não está feliz com a vida. A depressão corrói a alma tirando a beleza do que está em volta.
São três meses curtindo a vida louca, mas não adoidada!
Volta para sua vidinha rotineira de cidade do interior. Agora com o seu interior melhorado e a cabeça erguida para enfrentar o mundo.
Mas lá, adiante, há sempre um ponto em que o leito do rio é mais estreito. A correnteza vai mais forte. Ou mais lenta. E segue. O ponto final é o mar... Quantas voltas o mundo dá!
A adolescente é o mar e nesse mar o rio chega. É o ponto de encontro. Os dois não se debatem em tormentas. Aceitam as ondas e se deleitam na maré mansa.
A vida é realmente como o rio que segue... Os dois vivem juntos até hoje! Rio e Mar. Ou mar e rio. Vivem no Rio... Felizes para sempre! E a mancha branca do joelho desistiu da adolescente.