As empresas buscam a criatividade à sobrevivência. Há, na Literatura, diversas obras falando da mente criativa. Brasileiro é criativo. Nordestino então. Vejam que “povinho” criativo.
Usava uma criatividade pura e ingênua. A tecnologia era a mais arcaica, rústica, digamos assim. Eu já sou do tempo da lamparina fabricada com flandres. Um trabalho artesanal. As lamparinas da minha casa lembravam uma rainha do jogo de Xadrez. Sua base circular, uma longa saia de rodada. O combustível era o querosene, o pavio era de algodão. Havia algodão. Hoje eu nem sei como ou do que é feito o pavio de uma lamparina. Sei que ainda existe aonde não chegou a eletricidade. Lamparina feita da lata de óleo, já era reaproveitamento, não por questões ambientais, mas por necessidade financeira. A matéria prima era lixo. Eles nem sabiam, mas contribuíam para o bem estar do Planeta.
A criatividade dessa gente do interior é tanta para a sua sobrevivência que as crianças desenvolvem desde cedo a sua.
Numa família de onze filhos haja paciência para aturar tanta criatividade. Nosso privilegiado grupo foi migrando para a cidade a fim de estudar. Ao retornar ao sítio, uma das jovens aproveitava os três meses de férias para criar a sua “escola”. Era o curso de férias, isso não é novidade. Encerrando o curso ao final dos três meses, retornava à cidade para dar continuidade aos seus estudos. Isso foi rotina por vários anos. Como estava dizendo, o encerramento do curso era um motivo de festa. Para organizar o evento havia a mais pura e verdadeira criatividade. Um povo que nada sabia da arte de representar, fazia teatro, dança canto e contava piada. Era um show de humor. Um show de variedades. Sob o comando da “professora” Isabel, fazia arte sem saber que estava atuando, dramatizando. (Isabel é a mesma que um dia no rio a vida quase ia por um fio!)
Teatro é vida, é instinto, diz alguém que está ao meu lado quase ouvindo o meu Tico e Teco!
Não havia orientação de especialista, nem cenário. Tudo era improvisado. Era a comédia em pé, tão em evidência atualmente.
Dramatizavam! Uma cantiga de roda virava uma peça.
A Linda Rosa Juvenil: (A Rosa, o Príncipe e a Bruxa) pronto! Era um show!
O Vira Lata: (entrega uma lata a alguém, pede que ele vire a lata, manda que vire outra vez, mais uma e mais outra... Olha para a plateia e diz: _ Vocês acabam de ver o maior vira lata do mundo!).
Olhava para a plateia, sim e era um “respeitável público”.
A mulher que bebia pinga: (_ Mulher, não beba da pinga que eu te dou uma aliança e ela respondia: _ Aliança que pula e dança, marido, eu quero é beber pinga.)
O marido oferecia anel, saia, pulseira, batom, mas nada ela queria. Somente a danada da pinga.
Cuja bebida anda muito apreciada ultimamente por diversas idades e gêneros naquele recanto do país. E por falar em país, é como se vivêssemos em outro país.
Era uma década conturbada no Sul e Sudeste, nas grandes cidades. Não havia energia elétrica, logo não se tinha acesso à televisão. Imprensa escrita era coisa de poucos. Não é que fôssemos alienados, vivíamos alienados. Nossa arte era inocente. Não sabíamos que, enquanto representávamos com nossas doces brincadeiras, jovens e adultos, estudantes, profissionais e políticos eram torturados, mortos, exilados, por não beberem do vinho do mesmo cálice. A História nos conta fatos inacreditáveis. Mas acreditamos que somos fortes e podemos mudar. Deixemos a dor aos fracos.
Vamos às brincadeiras que talvez nos tenham ao que hoje somos. Profissionais competentes, comprometidos nos seus sacerdócios. A professorinha das férias é Especialista em Letras. Não desistiu do seu sonho. Foi longe. Enfrentou desafios e muitas pedras no caminho. Caminhou, formou mentes criativas ou não, não se sabe, contribuiu para um país melhor.
Como é bom fazer essa viagem no tempo. Resgatar lembranças quase perdidas. Tudo isso acontecia no tempo de Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Beatles, Michael Jackson criança... Muitos cantores brasileiros cantavam em inglês e tinham nomes esquisitos!
Em nossos shows de variedades eram estes os nossos ícones. Éramos os seus fãs. Levávamos suas canções ao palco-chão-alpendre da velha prima de nossa mãe, Maria Rogério. Ah, Maria Rogério, Mimim, uma mulher à frente do seu tempo. Ela merece uma história à parte.
Não me perguntem como aprendíamos as canções. Tudo era oralidade. O rádio de pilha era uma fortuna, não mais o rádio, a pilha. Haja dinheiro para mantê-lo!
Voltemos ao drama, era assim que chamávamos as nossas dramatizações de mentirinha.
Imitando um programa de TV (da cidade), nosso show acontecia na zona rural, sem energia não esqueça esse detalhe. Uma garota respondia a um questionário sobre a vida de Maria Rogério. A garota esperta e inteligente era a Maria do Socorro Carvalho, hoje a Drª Socorrinha.
Havia a música da barata. Não, não aquela da vizinha. Era assim: _ Mulher vai lavar tua cara.
_ Eu não que meu lábio dói.
_Pois passa banha de porco.
_Eu não que a barata rói
(Coitada da mulher, sempre a mulher...)
A mágica do fundo do prato para ficar bonita. (O fundo prato, por baixo, todo encarvoado, enfumaçado, a bendita ou o bendito passava a mão embaixo do prato e no rosto, sem olhar, claro. Ao se ver no espelho, era aquele susto! O rosto estava preto.
E não venha me dizer que era preconceito. Nem se ouvia esta palavra naquele tempo. Hoje, virou moda. Tudo é preconceito. Éramos muito inocentes para sermos preconceituosos com bobagens.
A vida seguia imitando a arte ou era a arte que seguia imitando a nossa vida? Não sei. Só sei que fazíamos arte com muita criatividade.
Com esta memória que não é só minha, porque toda memória envolve um grupo, trago à lembrança muitos dos que comigo estiveram nestas brincadeiras:
Luís, Francisco, Vicente, Hélio, Maria do Socorro, Francisca, Maria das Virgens, Sueli, Letícia, Beta... As Marias e as Franciscas da minha vida que estiveram por lá e por ventura se lembrarem destas proezas lembrarão com alegria. Um beijo a cada participante dessas travessuras inocentes.
Artemisia
Com esta memória que não é só minha, porque toda memória envolve um grupo, trago à lembrança muitos dos que comigo estiveram nestas brincadeiras:
Luís, Francisco, Vicente, Hélio, Maria do Socorro, Francisca, Maria das Virgens, Sueli, Letícia, Beta... As Marias e as Franciscas da minha vida que estiveram por lá e por ventura se lembrarem destas proezas lembrarão com alegria. Um beijo a cada participante dessas travessuras inocentes.
Artemisia