Palavras de amor, palavras de afeto, palavras de alegria, palavras de amizade, palavras de carinho. São tantas palavras... Palavras, palavras...


Uma vida, uma história

Minha história é uma história de sucesso. Eu sei que todos têm suas histórias. Se de superação, de alegria, de amores, não importa. A vida de cada um é a sua história. A minha começa assim: Num dia de maio, no ano de...52! Já vai um bom tempo. Mais de meio século. Pois é. Numa família de onze filhos, eu sou a oitava. Lá em um cantinho, quase esquecido, no interior do Ceará. Do lindo Ceará de praias belas, que eu só fui conhecer depois de bem adulta.
A minha vida sempre, posso dizer sempre, foi maravilhosa. Vivi no tal pedacinho esquecido ou quase esquecido até os meus belos dez anos de idade. Esta é a primeira parte da história: Bravas! Ou Cordão? Nunca compreendi a divisa, mas deixa para lá. O que me interessa lembrar é onde, como, quando nasci e em que meio vivi.
Pai, agricultor, dono de um pedaço de tabuleiro que dava para sobreviver.
Mãe, do lar. E como era eficiente e equilibrada, conseguia manter a sua prole em harmonia. Quando havia necessidade, sabia ser dura. Era coerente na sua forma simples de educar. O casal, Francisco e Edvirgens, mantinha a família sob sua orientação religiosa e social. Ensinou-nos os valores essenciais para toda a vida, o respeito pelo outro e pelos mais velhos. Educou-nos em seus padrões. Seguimos por caminhos a não desmoralizá-los. Alguns pisaram mais firmes. Mas todos trilharam seus caminhos.
Viver em roça, plantar e colher... Tínhamos o suficiente para a sobrevivência, como já disse.
Nossos pais eram maravilhosos. Tenho doces lembranças. Até os meus dez anos...
Banho de açude e de riacho. Fruta no pé: cajá, cajarana, araçá, murici (tudo característico da nossa região), quando chovia, é claro. Porque na nossa região o chover é uma raridade. Durante três quartos do ano é sem chuva, porém quando chove é uma riqueza.
Anda comigo uma curiosidade: como todos em minha casa aprenderam a ler? Se no local não havia escola. E tudo era muito sacrifício. Estudar sem nada. Caderno, livro, como? Os mais velhos se deslocavam quilômetros para a residência onde havia um professor ou professora “particular” que ensinava as quatro operações, a ler e escrever um bilhete. Estudava-se em sequência: Carta de ABC, Cartilha (Minhas Lições, Primeiro Livro, Segundo Livro Não perguntem como tais livros eram que eu não saberia responder. Sei que todos aprendiam. Mas não havia lápis, nem caderno e nós brincávamos de escola. O papel era aquele papel branquinho de dentro da caixa de MAIZENA! Quando nascia um bebê. Ou a areia do rio. Ou o terreiro da casa de Maria Rogério, uma velha prima da minha mãe. Que saudade! Pois é, brincávamos de escola na areia do rio... A areia... no leito seco do rio, no tempo de estio. Íamos buscar água na cacimba (poço no leito do rio seco), do qual se tirava água para todo o consumo de casa, do banho e da roupa lavada.
A “caneta” ou o “pincel” era um pedaço de pau. Era uma maravilha escrever ou desenhar na areia. Deixávamos as nossas artes explícitas para quase ninguém, mas não deixava de ser prazeroso.
Havia outras brincadeiras para meninas além de ajudar à mãe em seus afazeres domésticos. Brincávamos de boneca. Boneca era feita de pano, um trabalho artesanal. Lindas! Tenho saudade.
Ninguém mais faz bonecas como as de antigamente... Eram as “Barbie”, sendo mais lindas!
Minha mãe construía umas cabaninhas de palha de carnaúba (uma palmeira da região). Em tempo de inverno, havia as moitas de mufumbo. Que delícia! Varríamos debaixo e lá,  construíamos as nossas casinhas. Os brinquedos eram imaginados. Tudo se criava. Um pedaço de pau era a filha, enrolada em um pedaço de pano velho, porque novo não havia... Tudo era arquitetura! Era arte. Era muita criatividade. Até os meus dez anos.
Casa-se a minha segunda irmã mais velha. Mudando-se para uma cidade e sentindo falta do antigo convívio, volta a nossa casa e pede a minha mãe uma irmãzinha para fazer companhia a ela. A irmã pedida foi uma, mas a enviada fui ei.
Talvez esta tenha sido a oportunidade da minha vida. Chamava-se Cariús, a cidade onde fui morar. Lá, foi-me dada a oportunidade de ouro. Conheci uma escola de verdade. Iniciei os meus estudos.
Cresci e convivi por dezoito anos com esta família do meu coração. Minha irmã teve quatro filhos, portanto sou eu a sua filha.
Sou realmente muito grata por sua paciência comigo. Foi ela quem aturou a minha aborrescência e tudo mais.
Moramos em Cariús por um tempo. Cariús é a terra da minha mãe. Mudamos tempos depois para Várzea Alegre, terra do meu pai. Uma cidade um pouco maior que primeira, mas não tão grande. Como Cariús, também não oferecia muitas oportunidades de estudo e de trabalho. Os estudos iam até oitava série, mais tarde criaram o Normal (curso de professora).
Quando chegamos à cidade, não havia luz elétrica. Havia um motor gerador de energia que se desligava às nove horas aproximadamente. Dez horas, era tarde demais para dormir! A vida era muito tranquila. Era uma cidade de um padre só (e ainda é...), um delegado e o prefeito, eram as autoridades da cidade. Não havia hospital. Tudo era pouco ou pequeno... onde tudo era muito próximo. Até as pessoas se misturavam quase numa só família. Os meios de transportes da época eram a pé ou a cavalo. Carro era objeto de luxo e de poucos. Dinheiro era coisa muito rara. Após a colheita de algodão para alguns. O algodão era considerado o ouro branco e rendia um bom dinheiro para quem o cultivava. Mas Várzea Alegre era a Terra do Arroz. Ano de bom inverno era fartura na mesa e dinheiro no bolso para os mais afortunados.
Naquele tempo não havia os “bolsas” de hoje, nem aposentadorias para os agricultores. Hoje a pobreza é outra...
Nas Escolas não havia merenda nem Kits completos (lápis, caderno...). Livro era artigo de luxo.
Somente os mais ricos podiam comprar. Estudávamos, pela amizade que se fazia com os colegas, em seus livros emprestados. Mas aprendíamos e apreendíamos os conteúdos. Oito meses de aula. De março a junho. Noite de São João já eram férias para a maioria. Para os comprometidos com o estudo e garantiam suas notas boas. Julho, férias até dia 31. Retorno em agosto. Novembro encerrando o ano letivo. Três meses de férias! Coincidia a temporada de férias com o período de chuvas. Era uma maravilha. Férias, roça, riacho... Tudo o que a sábia Natureza podia oferecer.
Eu não ficava com a minha mãe o tempo todo porque a minha outra mãe trabalhava como costureira e não dispunha de tempo para tudo. Precisava de ajuda para com as crianças. Retornava para dar-lhe um apoio. Meus sobrinhos e meio irmãos. Adoro todos eles.
A vida segue seu curso como um rio. Não há volta. Não queria voltar para desfazer nada. Tudo foi vivido intensamente. Se registro com sabor de saudade é só saudade, não desejo de voltar.
Vivi, cresci e fui embora. A vida levou-me para outro Rio. Não mais o rio de areia, mas de muitas praias. Um Rio onde tudo é grandioso e lindo. Onde a Natureza soberana pintou belos quadros. È chamado de Cidade Maravilhosa. O sonho de todos, pelo menos do meu tempo, era conhecer a Capital da Cultura.
Rio de Janeiro é realmente uma cidade linda. Com suas periferias como qualquer cidade grande. Com seus problemas e seus descuidos, mas continua linda.
Como e por que o Rio de Janeiro?
É uma outra história.
Namorada de alguém que pretendia dar umas voltas ao mundo (não era o Júlio Verne). Saiu de Fortaleza com destino a São Paulo. Por causa, ajuda e bondade de um primo, parou no Rio de Janeiro. Prestou vestibular e entrou para a UFRRJ. Lá, começa a trabalhar e, estala o dedo... Aqui estou! Há trinta anos. Conclui a Faculdade de Letras. Trabalho na maior Rede Pública da América Latina. Leciono, professo, dou aulas de Língua Portuguesa.
A vida continua a fazer-me. Sou alegre, feliz, responsável e comprometida. Acredito que somos o que pensamos, por isso continuo sonhando que amanhã será melhor que hoje, porém não deixando de viver o hoje como se apresenta.
Deus é a minha maior fonte de energia positiva. Meu esposo, marido, companheiro continua sendo o meu equilíbrio. E meus filhos, são nossos filhos lindos e maravilhosos.