Mil novecentos e oitenta e quatro. Ano das Bodas de Ouro dos meus pais.
Na minha orientação religiosa, tenho uma grande liberdade de conversar pessoalmente com Deus.
Meu trabalho, do lar. Apenas o marido ganhando pouco mais que um salário mínimo para nos sustentar. A ele, a mim e aos dois filhos. Morávamos em uma casa quase sub... Alugada. A Dona já nos pedindo que saíssemos.
Chamo Deus bem ao pé do ouvido, assim com essa intimidade toda, e digo: “Deus, Você tem que fazer três milagres em nossa vida este ano, a construção da nossa casa, nossa viagem ao Ceará para as Bodas e o Bezerra (o nome é José, mas todos o chamam assim) passar no concurso. Era funcionário contratado da Universidade Rural. Não era concursado ainda. Formado em Administração. Sua ascensão dependia da aprovação em concurso público.
Vai o ano passando. Começa-se a construção da casa por obra do Espírito Santo. Um anjo e foram muitos. Chamado Luís é o pedreiro. O dinheiro pouco. Havia mais anjos no Ceará que faziam compras de bordados , enviavam pelos Correios e nós vendíamos , melhorando as nossas finanças.
Paredes levantadas. Laje colocada com ajuda de mais dois anjos, um de São Paulo, outro do Piauí. Sem piso. Sem portas. Colocamos as grades. Não é cadeia, não, é quase. Cidade grande é assim mesmo. Há grades de ferro protegendo portas e janelas. Mesmo as de madeira. Alguns lençóis, como cortinas, ocupavam o lugar dos vidros. Vinte e nove de setembro. O grande dia. Mudamos para o nosso palácio! É realmente um palácio...
Outubro chega e precisamos viajar...
Vejam que os milagres começam a acontecer.
Não temos dinheiro. As passagens são caras. Porém, um outro anjo de São Paulo nos dá duas mãozinhas. Viajamos, eu com as crianças. O pai vai depois... Depois... Depois do resultado do concurso. Segundo milagre!
Viagem de ônibus. O ônibus vinha de São Paulo, trazia minha cunhada com seus dois filhos. Juntamo-nos e seguimos. Os maridos vão depois, o dela e o meu e isso é outra história. Dois dias na estrada. E o sonho na cabeça: Casa, Viagem e Aprovação no concurso. O terceiro milagre!
As Bodas aconteceram no Sítio Bravas, município de Cariús. Toda a família reunida. Foi uma festa grandiosa. Como meus pais mereciam. O meu presente foi nossa presença. Eles nem sabiam dos meus três milagres. Não é tudo que se deve contar. E ainda mais após ouvir uma senhora baiana para quem fiz alguns turbantes de crochê. Sim, eu fazia crochê, bainha de calças, trocava botijão de gás, tudo para ajudar nas despesas. É muita história. A senhora baiana disse-me que só se deve falar do nosso plano para alguém que possa nos ajudar a concretizá-lo.
A troca de botijão e a bainha de calça eram para uma vizinha que dizia: “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.” Eu completava: pague, que eu faço. Não era mercenária. Era questão de sobrevivência. Mas vamos ao retorno. Já é dezembro, Rio de Janeiro. Abertas as inscrições de concurso para professor. Inscrição feita! Durmo de dia com as crianças. Estudo à noite, enquanto eles dormem. Apostila contendo provas anteriores... Visão de luta. Era muito jovem para cruzar os braços. Chega o dia da prova. Sai o resultado. Se você acompanha o meu raciocínio neste momento, deve estar alucinado. Mas não é alucinação, é o quarto milagre! E milagres, em minha vida, acontecem todos os dias.
Passei no concurso. Havia passado em outro para o Estado, mas... Perdi a chamada! Não recebi telegrama de convocação. Retorno à Faculdade. Mais um filho, ou melhor, filha!
Juntei pedaços de trabalho do tempo em que vivi no Ceará. Hoje sou aposentada. Não parada. Fiz outros dois concursos e espero talvez a compulsória.
Seguindo o destino, a sorte, o caminho que a vida oferecer. E perturbando Deus, para que Ele nunca se esqueça ou desista de mim, vou!