Várzea Alegre, uma cidade riquíssima no cultivo do arroz, e também muito conhecida nacionalmente pelos contrastes, que Zé Clementino sabiamente reuniu numa canção e Gonzagão decantou, e com isso nossa cidade ficou conhecida nacionalmente, por TERRA DOS CONTRASTES. Mas como toda cidade interiorana, ela não apresenta condições de empregos para segurar os seus jovens na terrinha, com isso a maioria deles emigram para o sudeste, principalmente São Paulo, em busca de suas sobrevivências.
Nossa historia começa com uma senhora que volta a sua terra, e trás consigo uma amiga para conhecer a sua terra natal, e com o coração explodindo de saudades e amor, desce na rodoviária, e em quanto espera o táxi, ela conta a sua amiga as riquezas culturais do seu torrão natal.
- Nossa terra é abençoada culturalmente, cada pessoa traz dentro de si, a alma de artista, tudo espontâneo.
- Me conte mais sobre essa cultura.
- Nossa! Eu passaria o dia todo, lhe contando as maravilhas de nosso povo.
- Fale-me ao menos de um.
- Bom, aqui teve um sanfoneiro que animava as nossas noites.
- Qual era o nome dele?
- Bié. Ele com seu fole, acompanhado de Expedito do pandeiro, animava a todos.
- Mas ele tocava bem mesmo?
- Tocava! Eu tenho uma fita cassete sua, é o único registro dele, depois eu te mostro.
- Legal, quero ver, mas me fale de outro.
Teve aquelas figuras anônimas que nos alegrava muito o nosso cotidiano.
- Quem, por exemplo?
- Xixica, que o povo apelidava de Chica do Rato, Lulu e a sua bola de futebol, tudo inofensivo, não fazia mal a ninguém, o único mal é ser diferente.
- E porque você acha que faz parte da cultura?
- Porque Pelo seu jeito diferente, ele fica marcado, ser artista é ser diferente. Se tem problema mental, se diferencia de nós, mas seu jeito peculiar, nos marcam completamente.
- Nisto concordo com você. Fale-me de outros.
- Teve o padre Otávio, que ficou conhecido pelo padre que era casado. Na verdade ele casou duas vezes, enviuvou de ambos, então optou em ser padre.
- É eu já ouvi falar nele na canção. Sim, e esta história de Jesus intimado?
- Olha, era o nome do fotógrafo da cidade, ele arrumou uma contenda, creio eu, e foi intimado a ir à delegacia.
- Agora entendi, sim e o autor dessa canção é de Várzea Alegre?
- É sim, Zé Clementino, ele é considerado o maior compositor de nossa cidade, tem mais de sessenta músicas gravadas, da qual tem oito com o rei do baião Luiz Gonzaga, e tem mais e o autor de nosso hino, autor também do hino do Ibicatu, Canindezinho e do Riacho Verde.
- Deve ser bom mesmo! Preciso revisitar a sua obra. Mas ainda têm outros na música?
- Com certeza! Na MPB cearense teve um conterrâneo nosso que brilhou e bem, que foi Luiz Sergio, que nós conhecíamos por Serginho Piau, tocava um violão que era uma beleza, era meio rouco, mas era bem afinado, chegou a ganhar vários festivais a nível nacional.
- Nossa!
- Sim, e teve o Pedro Sousa, pense num sanfoneiro arretado! Ele tocava 23 instrumentos musicais com perfeição, mas foi na concertina que ele se esbaldou. Soube que fizeram umas homenagens pra ele pós-morte, mas espero que ainda lembrem dele, pois seu trabalho é belíssimo, foi o primeiro varzealegrense a gravar, ele gravou um compacto em 1967, que era intitulado. “Isto é que é forró.”
- Ele deve ter sido bem cultuado aqui no município não?
- Que nada, ele é considerado pela maioria como um simples tocador, desse mesmo jeito é o outro sanfoneiro, Chico de Amadeu, esse montou uma banda de forró ao lado de seus filhos, e animou festas em quase todo país.
- É já ouvi falar de festas dele lá no PATATIVA, em São Bernardo do Campo.
- Mas eu não podia deixar de falar no mestre Chagas, esse entendia tudo de música, praticamente quase analfabeto, era um maestro finíssimo, digno de grandes mestres que existe neste mundo afora, quantos discípulos ele deixou! Mas morreu na pobreza, esquecido musicalmente.
- Isto é inadmissível, mas mulher me conte mais de personagens folclóricos, ainda tem?
- Lógico que tem. Tem muitos, deixe-me ver se eu me lembro de outro... Ah! Tem o Tonico, Tonico tem uma história engraçada, ele foi participar de um show de calouro aqui no município cantando a canção Carolina de Gonzagão, e a galera não perdoou, aclamou como o primeiro lugar.
- Nossa que legal! Mas como assim primeiro!
- Bem, deve ter sido pelo seu resmungado, e a sua coragem de estar enfrentando o público. Teve outro que não é personagem folclórico, mas era um verdadeiro artista, o nome dele era Zé Gonçalves, um violeiro aclamado em todo nordeste, que teve um programa de cantoria por mais de trinta anos, na cidade de Campina Grande na Paraíba. Só que ele nunca teve seu reconhecimento aqui no seu torrão.
- Uma lástima.
- Com certeza, olha um nome que hoje está em evidência aqui em Várzea Alegre, é Tibúrcio Bezerra, ele é o autor do design da bandeira do nosso município, e por sinal muito bonito, ele também escreve umas bonitas crônicas.
- Sabe querida, eu fico imaginando como é que uma cidade consegue sepultar culturalmente os seus ícones!
- É minha filha! O destino é cruel, ou melhor, a vida. Cada um desses personagens citados da nossa vasta cultura varzealegrense, não fugiu ao destino de todo mundo e de todas as coisas: esquecimento e destruição. Inexorável, implacavelmente. Para isso o tempo arrasta tudo. Mas eu soube que estão se levantando pessoas, com interesse de resgatar a cultura do nosso torrão, sei que isto é bom, porque povo sem cultura, é povo sem história.
- E o que deve ser feito, nesse resgate?
- Construir um museu com as peças desses personagens, colocarem quadros, livros, criados e compostos por esses artistas. Fazer uma galeria de fotos, para que os jovens venham conhecer esses heróis de nossa cultura.
- É! Isto é que é uma boa idéia, será que os governantes já pensaram nisto?
- Talvez! Veja lá vem o nosso táxi, vamos pra casa, e amanhã eu te levo pra conhecer as nossas riquezas naturais e culturais.
ISRAEL BATISTA
* Atendendo a alguns pedidos estou reprisando este texto fictício que criei mostrando um pouco a cultura de nossa cidade Várzea Alegre. Esse texto vocês também encontram no meu livreto intitulado com o mesmo nome.