Palavras de amor, palavras de afeto, palavras de alegria, palavras de amizade, palavras de carinho. São tantas palavras... Palavras, palavras...


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Guia Fiel


     Sempre fui descuidada em guardar datas. Vivendo o presente. Nunca sendo tão presa ao passado ou ao futuro. Sonhos, a gente sempre tem, são nossos objetivos. E a lembrança, do que fica na memória, às vezes escapa e os detalhes se perdem. A culpa foi minha por não ter o hábito de registrá-las. Não compreendia a sua importância.
       Tentarei ser fiel aos fatos, nesta história que narro para os meus filhos.
       Chico de Sátiro, meu pai, era um apaixonado pelo campo, pelo canto de um vaqueiro, um aboio, um gibão e um chapéu de couro. Era um boiadeiro, um vaqueiro, não um fazendeiro. Tinha lá suas poucas vaquinhas. Sempre cuidadoso, nos orientava como conduzir um animal amarrado a uma corda. Dizia que não se deveria enrolar a corda na mão. Tanto ensinou aos filhos e não eram poucos, que um dia esqueceu a lição. Não sofria de Alzheimer. Nem esclerose múltipla. Não tinha nenhum problema com saúde mental. Foi descuido ou esquecimento, é natural, quase oitenta anos...
        Pois bem, residindo no sítio Bravas, município de Cariús, sertão cearense, conduz de sua casa para a roça um pouco distante, um garrote amarrado por uma corda, cuja corda enrolada em sua mão. Já ia longe, não se sabe bem porque, o garrote puxa o seu condutor, derruba e o arrasta mato adentro. O braço deslocado, o olho quase furado pelos tocos, por quem chamar não havia. A quem pedir socorro, impossível. Roça deserta, estrada vazia. Era uma época de muita história e havia alguns ladrões, bandidos perigosíssimos, escondidos pela redondeza.
        Acaso passava bem próximo um afilhado seu, que nem se quer tomou conhecimento do ocorrido. Ao ouvir os gemidos, tratou de correr no sentido contrário, de tanto medo.
       Meu pai e sua dor. Quase sem enxergar direito, a visão embaçada. Via apenas um vulto a sua frente, a guiá-lo. Arrastando o braço e se arrastando seguiu, por uns três quilômetros, aquele vulto branco, que o conduziu até o seu doce e abençoado lar. O vulto foi aquele amigo fiel que não o abandonou na estrada, o seu cachorro.
       Chegando a casa, levaram-no à cidade de Várzea Alegre, onde o seu filho Raimundo, médico da cidade, fez o curativo e recolocou o braço.
       Esta história ele contava como se fosse uma cena de filme de comédia, mas foi uma cena de muito amor, coragem e fidelidade, onde o herói não foi a vítima, mas o cachorro, guia fiel.

           (Ao meu pai: Chico de Sátiro)
                      Artemísia

2 comentários:

  1. Artemisia, parabens:é uma linda historia de vida, de luta, e de amor. Que Deus abençõe todos da sua familia. Abraço Fatima Bezerra.

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  2. Fátima, querida, obrigada por seu carinho.

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